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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A Casa do Distrito de Leiria (em Lisboa)

A memória histórica de um país está no património que se conserva. Monumental, artístico, musical, fotográfico ou documental. Conhecer essa memória passa não só pela conservação, mas pela organização e divulgação desse mesmo património. Neste contexto e no que se refere ao documental, a nossa experiência tem sido bastante gratificante e tem‐nos permitido acrescentar alguns dados novos à história da nossa região.
Foi o caso da Casa do Distrito de Leiria, cuja documentação a partir de 1997 passou a fazer parte do espólio do Arquivo Distrital de Leiria. O trabalho de identificação e organização que desenvolvemos, deu‐nos a conhecer uma associação, fundada em 1938 que funcionou na capital, que surgiu de um apelo do então Presidente da Câmara de Leiria, a uma comunidade de leirienses residentes em Lisboa, constituída por pessoas influentes e bem colocadas política, social e economicamente, provenientes dos mais diversos sectores profissionais. Médicos, advogados, notários, oficiais militares, engenheiros, comerciantes, banqueiros, professores, funcionários públicos, escritores, jornalistas, artistas entre outros.
Reuniu pela primeira vez uma Comissão organizadora em 8 de Fevereiro de 1938 no 3.º andar do n.º 126 da Avenida Duque de Loulé em Lisboa. O Clube dos 100 à Hora foi utilizado também pela referida Comissão até ficar definitivamente instalada na Rua Nova da Trindade no 2.º andar do N.º 18, nas dependências da Associação dos Amadores de Música de Lisboa. Teve os seus estatutos aprovados em 21 de Novembro de 1938 por alvará do Governo Civil de Leiria.
Foi o seu primeiro presidente O Contra‐Almirante Joaquim de Almeida Henriques, notável pela acção que desempenhou na Marinha e a figura principal do arranque inicial da actividade desta agremiação.
Manteve desde o primeiro dia uma intensa actividade cultural, uma interventiva acção social e uma sistemática pressão junto do poder político. Entre conferências, serões culturais, exposições, bailes, excursões, homenagens, a Casa foi também mentora do I e II Congressos das Actividades do Distrito de Leiria. Esteve ainda na origem da resolução de problemas e situações que muito contribuíram para o progresso da sua região. Cessou em 1953.
Foram suas congéneres, entre muitas outras, a Casa do Alentejo, a Casa de Entre Douro e Minho, a Casa de Lafões, a Casa de Coimbra, Casa das Beiras, a Casa de Tomar, a Casa dos Açores.
Estas agremiações constituíam‐se no seio de comunidades regionais, residentes em Lisboa, tendo por base a convivência dos seus patrícios, a divulgação dos seus valores, costumes, riquezas e a defesa dos interesses da sua região, junto do poder político do Estado Novo. Era o regionalismo a acordar reagindo à reforma administrativa consignada no Código de 1936.
A união destas associações, num total de 25000 sócios, deu origem a um movimento do qual nasceu o Conselho Superior do Regionalismo Português, que actuava como uma Federação de todas as Casas Regionais, actuando em sua defesa e representação As relações entre estas associações eram cordiais e bastante salutares. Convidavam‐se a participar das iniciativas de cada uma delas, promoviam sessões e eventos alusivos às regiões das outras Casas.
De entre a documentação da Casa de Leiria recolhemos um convite da Casa dos Açores datado de 4 de Fevereiro de 1941, que passo a transcrever:
Realizando o Sr. Dr. Pedro de Aguiar, ilustre Director dessa Casa, uma conferência no próximo dia 8 do corrente, pelas 22 horas na sede da Casa dos Açôres, sob o titulo “As duas ilhas pequeninas” muito nos honraria V. Exª. com a sua presença e bem assim os restantes Directores da Casa de Leiria. Os sócios da vossa Casa, que queiram assistir, podem faze‐lo mediante a simples apresentação do seu bilhete de identidade. À conferência segue‐se baile e o traje é de cerimónia. Aproveito o ensejo para endereçar a V. Exª. Os protestos da mais elevada consideração e subscrevo‐me.
É assinado pelo presidente da direcção Francisco Soares de Lacerda Machado.
No espírito de troca e partilha, as Casas enviavam, anualmente, umas às outras, cartões de livre entrada, para os diversos eventos que organizavam. A exemplo, em 2 de Março de 1951 a Casa do Distrito de Leiria envia à sua homóloga dos Açores, o seu cartão. Assina o presidente da direcção José Rodrigues de Matos.
Continuamos a constatar que as relações entre Leiria e os Açores são de longa data e que os laços de amizade e cooperação se têm revelado profícuos e de grande significado para as duas regiões.
São estas associações fontes documentais interessantíssimas e a Casa dos Açores poderá será também, um manancial de surpresas que valeria a pena conhecer.
Ana Bela Vinagre

O terramoto de 1841 nos Açores

Nascidas no meio do imenso Atlântico, as ilhas Açorianas não negam a sua origem vulcânica, bem patente na formação da Lagoa das Sete Cidades e da Lagoa do Fogo, na Ilha de São Miguel, a própria Ilha do Pico, o Caldeirão na Ilha do Faial.
Com uma actividade sísmica permanente, os Açores têm sofrido algumas erupções ao longo dos séculos, com destaque para os anos de 1563, no Pico do Sapateiro, e 1620 no Vale das Furnas, na Ilha de São Miguel; 1672 o Capelo, na Ilha do Faial; 1720 na Ilha do Pico; 1808, a Nazelina, na Ilha de São Jorge e novamente no Faial com o Vulcão dos Capelinos em 1957, já para não falar nas erupções submarinas.
Mas as suas ilhas têm sido também palco de violentos terramotos. Em 1522 a Vila de Praia de Âncora, em São Miguel, foi destruída. No ano de 1841 foi arrasada a Vila da Praia na Ilha Terceira. Alguns anos mais tarde em 1852 foi a vez de Ponta Delgada. Já mais recentemente lembramos o terramoto, que em 1980 danificou grande parte da cidade de Angra do Heroísmo.
O que nos traz à conversa hoje, mais propriamente à escrita é o terramoto de 1841 que assolou de forma dramática a cidade de Vila da Praia, reduzindo a a um monte de ruínas, desalojando os seus habitantes, deixando os numa situação de extrema penuria e miséria.
O primeiro documento emitido pela Corte sobre o assunto, sai do Paço de Sintra, assinado pelo Barão de Tilheiras, com data de 5 de Julho e refere se lhe nos seguintes termos: por occazião das repetidas oscilações terrestes, que ali se sentiram desde o dia 12 de Junho próximo passado, a que se seguio o espantozo terremoto, que teve logar no dia 15 e que destruio e arruinou completamente a Villa da Praia, produzinddo ao mesmo tempo gravíssimos estragos na Villa de S. Sebastião, em todas as povoações que ficam a leite entre esta ultima Villa e as Lages; do que resultou ficarem os habitantes de todas essas povoações reduzidos á maior consternação e miséria, pelos inormes prejuízos que sofrerão com o total desbarato das suas propriedades, e perdas de todos os objectos de uso domestico.
D. Maria II decretou e Joaquim António de Aguiar, tomou medidas de auxílio que se obterão da generosidade, filantropia e gratidão do Povo Portuguez generosidade de que são credores os habitantes da mencionada Ilha pelos apurados sacrifícios e muitos valiosos serviços, que prestárão em prol da Liberdade e da Independencia Nacional.
Determina, em nome desse auxílio, que em cada capital de distrito administrativo se estabelecesse uma comissão de cinco membros nomeadas pelo Administrador Geral respectivo, de entre cidadãos de mais reconhecida probidade, zelo e filantropia, de onde sairia o presidente e o secretário. O objectivo era angariar fundos para ajudar os açorianos a reconstruir as suas casas, as suas vidas.
A esta onda de solidariedade e auxílio respondeu a cidade de Leiria. Em 12 de Julho, reuniram, no Paço Episcopal, os membros nomeados pelo Administrador Geral, José Crisóstomo Pereira Barbosa, Vigário Capitular e Governador Temporal da Diocese (eleito presidente), José de Faria Gomes e Oliveira, João Pessoa de Amorim, Luís Henriques d’Azevedo e António de Abreu Couceiro (eleito secretário). Estava assim constituída, a Comissão do Distrito de Leiria, que de imediato estabeleceu comissões filiais em todos os concelhos. Nas freguesias era aos párocos que cabia angariar fundos junto dos seus fregueses.
O reino atravessava um período difícil com o amargo sabor de uma guerra civil, que trouxe insegurança política, perseguições, surtos de movimentos de guerrilha, vandalismo, destruição, pobreza e desolação.
O aumento da décima e outros tributos, e também os invernos rigorosos e as consequentes más colheitas, provocaram nas populações, enormes dificuldades de subsistência evidenciando, por isso, a falta de condições para colaborar na acção desenvolvida. Azoia, Carvide, Cortes, Maceira, Monte Real, foram as freguesias de Leiria a manifestarem a sua total impossibilidade.
Outrossim de Monte Redondo informava o pároco, que os seus paroquianos não se sentiam devedores da ilha pela atitude tomada durante a guerra civil: vi má dispozicão nos ânimos dos póvos, que se achavam muito onerados com fintas, e tributos.
De Pedrógão Grande, apesar de todas as diligências da sua comissão filial, não conseguiram obter donativos, nem por altura da colheita da azeitona. Também Chão de Couce informou que os seus habitantes estavam condicionados aos rendimentos das colheitas dos seus frutos. Só um ano mais tarde conseguiu reunir alguns donativos.
Alcobaça, Alvaiázere, Batalha, Caldas, Óbidos, responderam de forma satisfatória. Produtos como milho, trigo, cevada, vinho, favas entre outros, eram donativos, que depois de vendidos, acresciam aos donativos em dinheiro.
Em 10 de Setembro já o presidente da Comissão de Leiria tinha em mãos 144$000 reis, disponíveis para serem entregues ao Administrador do Tabaco em Leiria, o meio de remessa utilizado, para o efeito, a pedido do Marquês do Faial, presidente da Comissão de Lisboa.
Todo este processo se prolongou por largos meses, com algumas insistências das Comissões. Várias quantias foram obtidas durante o ano de 1842 e uma última entrega em Maio de 1943, de São Martinho do Porto.
Não apurámos o montante dos donativos conseguidos no nosso distrito, nem esse era o nosso objectivo. Quisemos sublinhar tão só, que apesar de o oceano de permeio, a solidariedade, o espírito de entreajuda, a cooperação entre leirienses e açorianos, tem sido uma constante, como já ficou demonstrado por diversas vezes, na nossa História.
Fontes: Fundo do Governo Civil de Leiria, incorporado no Arquivo Distrital de Leiria
PT/ADLRA/AC/GCLRA/D/031
Ana Bela da Silva Vinagre

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Lar do Soldado Açoriano em Leiria

Ano de 1970. Vivem-se tempos conturbados num Portugal fascista e a braços com uma guerra colonial, que tarda em acabar.
Jovens e famílias vivem atemorizados com o espectro da guerra. Neste quadro de forte agitação política e social, uma açoriana radicada em Leiria, movida por um enorme sentido filantrópico, solidário e regionalista, funda o Lar do Soldado Açoriano, uma instituição particular, sem fins lucrativos, que serviu apenas e somente, para acolher, apoiar e acarinhar centenas de jovens originários das ilhas açorianas, que se instalavam na cidade, para cumprirem parte do serviço militar.
Impedidos pela distância de irem a casa de fim de semana, ou nos períodos de licença, os militares açorianos sentiam-se em dificuldades quando saíam da sua unidade militar. As possibilidades monetárias eram escassas e alugar um quarto ficava-lhes dispendioso.
Ilda Fonseca e o marido tomam consciência da situação e lançam mãos a um projecto que desenvolvem de forma rápida, eficaz e organizada. Em poucas semanas alugam uma casa, equipam-na com o mobiliário estritamente necessário, revestindo-a de algum conforto, pronta a confeccionar algumas refeições, tratar das roupas e das fardas dos rapazes, proporcionar-lhes privacidade, condições de higiene e limpeza.
O projecto evoluiu e o sucesso tornava-se visível dia a dia. O movimento foi aumentando. Inicialmente com quinze camas, chegou a atingir as trinta, que obrigou a mudarem para uma casa maior e consequentemente, a criar regras e disciplina, mantendo sempre o bom ambiente a que já se haviam habituado os seus residentes. Ilda elabora um regulamento e um manual de procedimentos.
Para ocupar os tempos livres não faltou a televisão, adquirida numa casa de penhores, que convidava os rapazes ao serão, em casa. Criou uma pequena biblioteca e recebia, por compra e por oferta, jornais das diversas ilhas dos Açores, para de alguma forma, mitigar as saudades da sua terra.
A música, sobretudo açoriana, estava sempre presente
no dia a dia do Lar. Havia sempre um residente que tocava viola e rapidamente se constituía um grupo que frequentemente animava o ambiente.
Ilda fomentava convívios, visitas a outras instituições frequentadas por açorianos, nomeadamente à Prisão Escola de Leiria, à Escola de Educadoras de Infância, ao Hospital Militar da Estrela, criando laços de empatia e cooperação.
Dedicada a tempo inteiro à gestão e administração do Lar, Ilda orientava os jovens na resolução dos seus problemas e dificuldades, acompanhava-os nos momentos mais importantes da sua actividade militar. Nos Juramentos de Bandeira o Casal Fonseca nunca faltava, substituindo-se aos pais. Quando se anunciava a partida para o Ultramar, o último jantar era em casa dos Fonsecas, onde não faltavam palavras de encorajamento, conforto e lágrimas. No momento da partida, Ilda a Fernando compareciam à porta do Lar, onde um veículo militar, pela madrugada, os ia buscar.
A disponibilidade, o carinho, a compreensão que dedicou a centenas de jovens seus conterrâneos,
O Lar foi reconhecido por muitos como uma obra de grande mérito social, elevado valor moral, humano e pedagógico, cujos fundadores diariamente, lutavam com grandes dificuldades financeiras. Mercê dessa luta e das boas relações que Ilda tinha com as instituições locais públicas e privadas e pessoas particulares, o Lar pôde contar a colaboração de algumas delas, nomeadamente dos Comandantes das unidades militares, a Delegação de Leiria da Cruz Vermelha Portuguesa, o Governo Civil, empresas fabris, comerciantes da praça de Leiria, entre outras. Também as Ilhas deram algum contributo.
O Lar Açoriano pelo seu carácter sui generis suscitava a curiosidade da comunidade Leiriense e Açoriana. O Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e a Presidente da Cruz Vermelha da mesma cidade, ficaram impressionados.
A imprensa foi pródiga no espaço e no tempo que lhededicou.
Com o fim da Guerra Colonial, o Lar perdeu utilidade e extinguiu-se no início de 1975.
Ana Bela Vinagre