Ano de 1970. Vivem-se tempos conturbados num Portugal fascista e a braços com uma guerra colonial, que tarda em acabar.
Jovens e famílias vivem atemorizados com o espectro da guerra. Neste quadro de forte agitação política e social, uma açoriana radicada em Leiria, movida por um enorme sentido filantrópico, solidário e regionalista, funda o Lar do Soldado Açoriano, uma instituição particular, sem fins lucrativos, que serviu apenas e somente, para acolher, apoiar e acarinhar centenas de jovens originários das ilhas açorianas, que se instalavam na cidade, para cumprirem parte do serviço militar.
Impedidos pela distância de irem a casa de fim de semana, ou nos períodos de licença, os militares açorianos sentiam-se em dificuldades quando saíam da sua unidade militar. As possibilidades monetárias eram escassas e alugar um quarto ficava-lhes dispendioso.
Ilda Fonseca e o marido tomam consciência da situação e lançam mãos a um projecto que desenvolvem de forma rápida, eficaz e organizada. Em poucas semanas alugam uma casa, equipam-na com o mobiliário estritamente necessário, revestindo-a de algum conforto, pronta a confeccionar algumas refeições, tratar das roupas e das fardas dos rapazes, proporcionar-lhes privacidade, condições de higiene e limpeza.
O projecto evoluiu e o sucesso tornava-se visível dia a dia. O movimento foi aumentando. Inicialmente com quinze camas, chegou a atingir as trinta, que obrigou a mudarem para uma casa maior e consequentemente, a criar regras e disciplina, mantendo sempre o bom ambiente a que já se haviam habituado os seus residentes. Ilda elabora um regulamento e um manual de procedimentos.
Para ocupar os tempos livres não faltou a televisão, adquirida numa casa de penhores, que convidava os rapazes ao serão, em casa. Criou uma pequena biblioteca e recebia, por compra e por oferta, jornais das diversas ilhas dos Açores, para de alguma forma, mitigar as saudades da sua terra.
A música, sobretudo açoriana, estava sempre presente
no dia a dia do Lar. Havia sempre um residente que tocava viola e rapidamente se constituía um grupo que frequentemente animava o ambiente.
Ilda fomentava convívios, visitas a outras instituições frequentadas por açorianos, nomeadamente à Prisão Escola de Leiria, à Escola de Educadoras de Infância, ao Hospital Militar da Estrela, criando laços de empatia e cooperação.
Dedicada a tempo inteiro à gestão e administração do Lar, Ilda orientava os jovens na resolução dos seus problemas e dificuldades, acompanhava-os nos momentos mais importantes da sua actividade militar. Nos Juramentos de Bandeira o Casal Fonseca nunca faltava, substituindo-se aos pais. Quando se anunciava a partida para o Ultramar, o último jantar era em casa dos Fonsecas, onde não faltavam palavras de encorajamento, conforto e lágrimas. No momento da partida, Ilda a Fernando compareciam à porta do Lar, onde um veículo militar, pela madrugada, os ia buscar.
A disponibilidade, o carinho, a compreensão que dedicou a centenas de jovens seus conterrâneos,
O Lar foi reconhecido por muitos como uma obra de grande mérito social, elevado valor moral, humano e pedagógico, cujos fundadores diariamente, lutavam com grandes dificuldades financeiras. Mercê dessa luta e das boas relações que Ilda tinha com as instituições locais públicas e privadas e pessoas particulares, o Lar pôde contar a colaboração de algumas delas, nomeadamente dos Comandantes das unidades militares, a Delegação de Leiria da Cruz Vermelha Portuguesa, o Governo Civil, empresas fabris, comerciantes da praça de Leiria, entre outras. Também as Ilhas deram algum contributo.
O Lar Açoriano pelo seu carácter sui generis suscitava a curiosidade da comunidade Leiriense e Açoriana. O Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e a Presidente da Cruz Vermelha da mesma cidade, ficaram impressionados.
A imprensa foi pródiga no espaço e no tempo que lhededicou.
Com o fim da Guerra Colonial, o Lar perdeu utilidade e extinguiu-se no início de 1975.
Ana Bela Vinagre
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