sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Algumas reflexões sobre o aeroporto da ilha de Santa Maria

Para aqueles que leram os meus artigos publicados no jornal bissemanal The Portuguese Post, a 11 de Julho e a 8 de Agosto, 2002, sob o titulo de “Como em Santa Maria redescobri as minhas próprias raízes”, ter-se-ão dado conta de imediato que a minha viagem a Santa Maria e a São Miguel no âmbito do programa “Açores: A descoberta das raízes” foi uma experiência que ultrapassou as minhas expectativas. Fui talvez uma das participantes do grupo que mais aproveitou, tanto intelectualmente como emocionalmente, desta VI viagem de estudo organizada pela Direcção Regional dos Açores.
Como descrevi nos artigos, além do programa bem recheado de comunicações e visitas às diferentes partes das ilhas, duas coisas me impressionaram sobremaneira: a área do aeroporto de Santa Maria, por fazer parte da minha história pessoal, onde vivi até aos 4 anos de idade, e a participação a uma função do Espirito Santo que descobri em toda a sua beleza e singeleza nesta ilha. Concentrar-me-ei no primeiro tema – o do aeroporto – oferecendo uma visão muito pessoal deste dado que meu pai lá trabalhou como controlador de trafego aéreo, o primeiro controlador português nesse aeroporto, embora esse facto não conste ainda, infelizmente, de nenhum documento ou publicação. Estou a fazer um esforço nesse sentido procurando assim honrar a sua memória, dado que faleceu em 2001.
Antes de iniciar a minha comunicação gostaria de vos mostrar um excerto de 5 minutos de um vídeo produzido por Luís Cordeiro e José Franca, chamado “Santa Maria, ilha do Sol”, a parte do vídeo sobre o tema de que vos quero apresentar.
(“Longe do alcance dos homens… já pisaram esta terra”)
Bem patentes, neste vídeo, estão as três áreas mais significativas, historicamente falando, da Ilha: Anjos, onde parou Cristóvão Colombo ao regressar da América; no auditório dos Anjos decorreram as sessões do programa “Descobrir as Raízes”. Vemos também o porto de Vila do Porto, a capital, com o forte São Brás; e o aeroporto, sito na charneca das Areias, que geográfica e simbolicamente liga os dois portos da Vila e dos Anjos.
O que ali falta, na minha opinião, é uma vista geral da área anexa ao aeroporto onde estavam localizados os bairros do pessoal do aeroporto com as suas instalações – os bairros de Santa Barbara e de São Lourenço entre outros; o Hotel Terra Nostra e o Clube Asas do Atlântico, etc. Os bairros encontram-se degradados, se bem que ainda habitados, e não constituem neste momento motivo de orgulho para Santa Maria… Esperemos que tal aconteça no futuro.
O mesmo se pode dizer sobre o porto da Vila. A parte mais histórica e mais perto do Forte encontra-se num grau de abandono desolador. O matadouro da vila está localizado junto ao Forte, numa zona que deveria ser altamente estimada e embelezada e, como disse a vereadora Nélia Figueiredo, o matadouro não pertence seguramente aí. Urge ajardinar, concertar os vidros partidos da Igreja da Conceição e abrir-lhe as portas a grupos de estudos como o nosso. E urge também reconstruir as belas casas em ruínas no cabo de baixo da rua Frei Gonçalo Velho que dá para o largo do Forte. Disse-me a vereadora que, apesar de se já se terem localizado muitos dos proprietários das casas e de a eles terem sido enviadas cartas registadas convidando-os a vender o património ao município, muitos não se dignaram sequer responder, muito menos a aparecer para avaliarem a gravidade da situação…
Voltando ao aeroporto, a vereadora, disse que haverá um plano de conservação de algumas das casas dos bairros. O hotel Terra Nostra sofreu um incêndio há 2 anos e encontra-se em reconstrução. O Clube Asas do Atlântico esta a ser remodelado embora eu ainda tenha tido a sorte de ver duas divisões tal como os meus pais as terão visto há mais de 50 anos – a sala de jogos e o bar. O meu medo é que se destruam quase todas essas casas prefabricadas e barracões, que têm um interesse histórico, e que se perca a noção do traçado desses bairros. Em conversa com a vereadora Figueiredo ontem, soube que nada de específico está ainda em vista no que concerne as duas áreas degradadas mas de grande valor histórico da ilha. As duas áreas que puseram Santa Maria no mapa e na vanguarda do desenvolvimento tecnológico da humanidade – as viagens transatlânticas dos séculos XV e XX.
Voltando ao nosso vídeo, a própria construção do aeroporto teve uma história fascinante. Para esta parte vou-me apoiar em três livros: Ilha de Gonçalo Velho de Jaime de Figueiredo escrito em 1954 e que foi parar milagrosamente às mãos da Judith Cohen em Santa Maria. Ainda Navegação aérea em Portugal. Testemunhos,da autoria de Maria Jorge Costa e Ricardo Oliveira, produzido pela NAV (Navegação Aérea de Portugal) data não indicada, e Memória de duas décadas ao serviço (1978-1988) de Portugal da ANA (Aeroportos e Navegação Aérea), 1999. Estes dois últimos foram-me oferecidos por Luís Guilherme Ribeiro, relações públicas do Aeroporto de Santa Maria, como todos os marienses, de uma hospitalidade e atenção fora de comum…
Como sabem, foi a entrada dos Americanos na 2a Grande Guerra que colocou os Açores “no centro das operações”, primeiro com a base das Lages na Terceira para uso exclusivo dos ingleses segundo o acordo de Agosto 1943, apesar de os americanos aí aterrarem com identificação inglesa.
Tanto o governo americano como as companhias aéreas americanas comerciais se aperceberam da necessidade de ter uma base nos Acores dado que os aviões tinham que se reabastecer, não tendo combustível suficiente para a travessia transatlântica. Contudo, Salazar não tinha simpatia pelos Americanos e foram conduzidas negociações secretas a coberto da PAN AM (Pan American) para evitar a fúria da Alemanha e do Japão, dado que Portugal era supostamente neutro. Por seu lado, Portugal pedia a colaboração dos americanos no processo de libertação de Timor então ocupado pelos japoneses (ANA, 1999). Mesmo assim, Salazar tentou adiar o acordo o mais tempo possível. Em Julho de 1944 o contrato foi assinado para a construção do aeroporto no valor de 3 milhões de dólares, que previa o seguinte: construção de dois molhes (piers) no porto, alargamento da área do cais, melhoramento da estrada que conduzia ao aeroporto e a construção de 3 pistas; plataforma de estacionamento, edifício de estacão, exploração e torre de comando; abastecimento de águas e sistema de esgotos.
Portanto, mais uma vez é feita a ligação entre os dois lugares da ilha de que falamos hoje dado que é por via marítima que chegaram mais de 30 mil de toneladas de equipamento para as obras. O primeiro avião americano aterrou em Agosto 1944 com material de acampamento e pão. O acordo entre os EUA e Portugal é assinado em Outubro, “deixando cair a farsa com a Pan Am” (p. 19).
“É por essa altura que começam a ser feitos recrutamentos, quer junto da população local, quer no continente. Pedem-se técnicos com alguma formação específica que saibam falar inglês e possam estabelecer a comunicação entre os americanos e portugueses. Muitas profissões, completamente desconhecidas, surpreendem agora a maioria da população. Nunca ninguém ouvira falar em teletipo, nem sabia para o que servia. Controlador de tráfego aéreo soava até a palavrão. Todas estas novas profissões tinham agora de ser ensinadas a portugueses porque, nos termos do acordo, os americanos abandonariam a base quando terminasse o conflito, deixando todo o equipamento e as infra-estruturas. Assim, era necessário que os portugueses ficassem habilitados a operar equipamentos tão sofisticados e imprescindíveis para a aviação comercial.” (p. 19)
Efectivamente, a partir de 2 de Junho de 1946, os aeroportos de Santa Maria e das Lajes voltam à administração portuguesa.
Este pedido de pessoal gerou um movimento migratório para Santa Maria que se tornou uma mini América, sendo mesmo preciso carta de chamada para lá ir trabalhar. A população de Santa Maria que desde o século XV, como hoje, não ultrapassa os 6 mil, passou a contar no seu auge com cerca de 15 mil, ou seja, quase triplicou. Essa população vinda de fora concentrava-se nos bairros que eventualmente foram construídos ao pé do aeroporto e tinham pouco contacto com a população local…
Voltando às profissões, fala-se no livro de que tenho citado, Navegação área em Portugal. Testemunhos, do primeiro homem a estabelecer contacto radio-voz no Atlântico, Francisco Vitorino. Outro, Carlos Barros, que conheci na minha viagem e que era teletipista na altura em que trabalhou com o meu pai, é citado no livro:
“Em 1947 já não havia americanos, éramos todos teletipistas portugueses. Entrei para os teletipos no primeiro concurso que houve com mais quatro colegas, um dos quais era uma senhora de apelido Sarmento. Nós, portugueses, inovámos muito na navegação aérea. Olhe, a primeira controladora de tráfego aéreo do mundo foi a Sr. Maria de Lurdes, aqui em Santa Maria!”. (p.37)
Infelizmente não se precisa o apelido desta pioneira. O teletipista, a propósito, tinha uma máquina de emissão e outra de recepção de mensagens para comunicar com os 7 circuitos existentes – Lisboa, Paris Nova Iorque, Shannon na Irlanda, Lages, Gander na Terra Nova, Canadá, e o serviço de meteorologia (p.37).
O livro também oferece um testemunho muito interessante da tal Sra. D. Natália Sarmento, a primeira mulher a entrar para o concurso de teletipista em 1950. Disse ela:
“Foi uma loucura, toda a gente criticava. Muitos homens diziam mesmo que se fosse minha mulher não deixava. E a trabalhar de noite. O meu marido trabalhava aqui no aeroporto para a Shell. Havia muita inveja, intriga e tacanhez. … Havia muito trabalho, chegávamos a fazer 60 horas semanais quase não havia folgas, o trabalho extraordinário era constante. Eu tinha dois filhos para criar, a casa para arrumar e o rapaz asmático tirava-me as poucas horas de sonho que tinha.” (p. 40).
Contudo, ela recordava com saudade o ambiente que se vivia no aeroporto que devido ao isolamento da população local se fazia dentro do aeroporto.
“Era muito bom tínhamos uma serie de infra-estruturas que mais ninguém tinha: o Clube Asas do Atlântico, organizava-se um rally paper, bailes torneios de cricket e havia cinema”.
O aeroporto tinha ainda uma escola, um colégio ate ao 5o ano, templo, hospital, cantina e outros estabelecimentos de bens alimentares e bairro de trabalhadores onde ainda hoje os empregados da NAV pagam apenas uma renda simbólica. (p. 41)
Só não reza da história do primeiro controlador aéreo formado pelo governo português destacado para o aeroporto onde começou a trabalhar a 20 de Agosto 1946, Acácio Vieira Januário. Eis como ele me contou a sua história.
“A primeira pessoa a ser convidada para ir para os Acores como controlador aéreo fui eu. Andava a acabar o curso de controlador aéreo de um mês em Lisboa à noite e de dia trabalhava na Comissão reguladora dos carvões. Tive uma chamada de telefone em que me disseram: ‘vamos começar a substituir os americanos para os serviços de controlo. Quando acabar o curso continua a fazer o aperfeiçoamento lá, enquanto pratica.’ Só me davam um dia para pensar. Decidi que sim. Arranjei as malas e saí para os Açores de bimotor da Portela. Que até nem devia ter sido de bimotor que se fazia a travessia atlântica para Santa Maria…
No aeroporto havia o centro de controlo regional onde estavam os controladores americanos que eram todos oficiais do exército americano; os da torre, como era um trabalho de pouca responsabilidade, estavam lá uns cabos do exército que velavam pela pista, vento e altímetro segundo o que se fazia cá de baixo do centro regional.
Na torre, eu e o Manuel Palma éramos os únicos portugueses. Ele era do Alentejo, piloto de aviões ligeiros, os pipercurbs, e era afilhado do General Sintra que era o comandante da aeronáutica civil (mais tarde foi o General Humberto Delgado). Havia um oficial americano com quem eu me dava muitíssimo bem, era o tenente Waiser que até queria aprender português e chegou a falar um bocado.
Tínhamos um manual de controlo, eu estudava, faziam-me perguntas e exames, a mim e ao Palma que estava talvez menos interessado do que eu e tinha mais dificuldade. Mais tarde apareceram mais controladores
Mais tarde fui nomeado chefe de serviços, estive lá muito tempo como chefe de serviços; tivemos que fazer concursos, pedi transferência para Lisboa; lá continuei a estudar para o concurso. Tive aquela peripécia do 1ode Abril, foi assim.
Havia um Manuel Coimbra que era controlador e estava comigo, eu era chefe de turno. Ele fez crer aos Americanos das Lajes que havia uma formação de B52s que se aproximava dos Açores e que deviam estar preparados para receber esses aviões de guerra. Eu estava a controlar e não estava a ligar ao que ele estava a fazer e quando estava para sair, ele disse: “O pá, Acácio, como é o 1o de Abril estou aqui a fazer uma patranha” E eu disse: “O pá, isso não se faz! Os gajos têm que começar a mobilizar os serviços de operações, o pessoal, tem que ir por as placas livres para a recepção dos aviões e isso da um trabalhão do caraças, pá! Nem pensar nisso!”
Mas já era a hora de eu sair e entretanto ele já tinha passado aquilo às Lajes, eu estava com pressa, tu tinhas caído de uma cadeira e estavas a sangrar e a patranha passou-me. Entretanto o pessoal das Lajes tinha recebido a mensagem. Depois então é que eu disse, isso é tudo história, só para passar o 1o de Abril. A gente emendou aquilo a tempo mas o director do aeroporto soube e arranjou-me um processo disciplinar. Eu é que era o responsável por ser chefe de turno e ainda por cima chefe dos serviços de controlo. Os americanos acharam piada aquilo mais o director é que levou aquilo a sério e deu-me uma boa patada. Foram 40 dias sem pagamento de ordenado! Desgostei-me daquilo e pedi transferência para Lisboa, fiz os meus exames mas, como pedi transferência, não fui nomeado para 1a classe, fiquei em 2a. Como precisavam de mim no Porto para substituir o director, mandaram-me para o Porto.
O que mais me desagradou na minha estadia em Santa Maria foi a direcção do aeroporto. O que mais me agradou foram os amigos que criei e que me tratavam como família – o farmacêutico Albino Botelho, o Óscar Arruda, o Armando e o Zezinho Monteiro, o Miguel Figueiredo Corte Real, com quem ainda estou em contacto, e o Dr. Manuel José da Costa, figura de destaque que até falava romeno e que era de São Miguel.”
Meu pai falou-me ainda do facto que havia rivalidades entre portugueses e americanos especialmente na transição da administração, por exemplo dum coronel português que não falando inglês, exigia que o americano falasse português com ele… Enraivecido, o comandante ordenou aos soldados que enviassem jipes de material pela “cagarra”, ou seja ravina, abaixo. Falou também da generosidade dos americanos vis a vis a população das ilhas, que vivia na pobreza, o que levou a abusos, roubos de material do aeroporto e revenda de materiais como, por exemplo cobertores que tinham sido dados pelos americanos.
Do livro de Jaime Figueiredo, escrito em 1954, deixa entrever que, antes da chegada do aeroporto, a ilha, longe de ser um paraíso rural, era um sítio onde o aldeão:
“Leva uma vida de trabalho e mediania, sem grande desafogo, mas longe da extrema penúria. Este meio ambiente de rudeza e de abandono, numa ilha isolada, sujeita a tremores e a vendavais, estiagens e enxurradas, plasmou-lhe o caracter, dando-lhe a mais rija têmpera para dominar os elementos. Algumas vezes tem havido motins ou levantes, com seus ousados cabecilhas, que descem das freguesias até à sede do concelho, onde vêm reclamar contra as pautas exageradas, a saída dos géneros, o alto custo das fazendas, e também lembrar ao médico que seja humano na cobrança dos honorários. Mas não leva muito tempo que o serrano, arrependido e envergonhado, regresse ao trabalho e se dirija a igreja da paróquia a confessar o seu pecado, para um dia poder deixar, com a alma bem lavada, este mundo de enganos… (p. 129-130)
Das mulheres diz:
“Parece um mundo medieval, quando nas ruas solitárias vemos as mulheres de capote e capucho, velho biocos monásticos que as envolvem por completo, apenas mostrando a biqueira de cordovão. Os serranos, de jaleca de estamenha e carapuça na cabeça, espécie de chapéu henriquino, apoiam-se a fouce roçadora ou ao bordão de ponteira. E as mulheres, de saiotes rodados, colete de paninho, calçadas de galochas, trazem patrona à cintura, xaile no antebraço e elegante carapuça sobre o cachené de ramagens. E a que der mau passo, e pelo visto “andar na boca do mundo” terá de emigrar sem demora, pois ali todos a esconjuram… O meio social era simpático e acolhedor! (P. 137)
Este mundo contrasta com o bulício que se instala com o aeroporto e com a chegada do pessoal americano:
“Em suma: toda a variedade de automóveis, em número aproximado a 800, muitos deles guiados por robustas “girls” americanas, e munidos de sereias e buzinas, cornetas e klaxons que produzem ruído estrepidoso, quase mesmo alucinante em todas as estradas da pequena ilha açoriana” (p. 173)
E mais além:
“Muitas jovens “yankees” formosas e esbeltas, de cabelos platinados e atitudes decididas, envergam os uniformes dos Serviços Auxiliares. Apesar disso não esqueciam toda a “maquillage” própria da garridice feminina! Algumas guiavam, com pulso forte e gentil, pesados camiões, tractores e ambulâncias e seguiam até Nova Iorque, a tomar o seu “dinner” ou a olhar pelo seu “home” voltando num relance a Santa Maria a que chamavam com gracioso espirito “Little America”.
Muito mais haveria que citar deste autor sobre as imagens que no descreve – desde as obras no Porto, como no aeroporto e as mudanças introduzidas nos hábitos de consumo e alimentares e serviços devido à influencia americana, por exemplo o self-service nas messes que “reduz ao mínimo o serviço de criadagem”.
Resta-me apenas, para concluir, fazer minhas as palavras de meu pai deixadas num texto escrito a 5 de Junho 1954, intitulado “Despedida” e lido possivelmente dias antes de voltar ao continente:
“Sinto que deixo esta terra com saudade. (…) Deixo o mar imenso a volta, esse isolador físico do espírito, a aridez do campo nas abegoarias pedregosas, os vales cortados a pique, as ventanias impertinentes as nuvens variadas e constantes ao dia, o azul pardacento do céu limpo da noite, a humidade aljogrante da tardinha, os (...??) alegres e sociais, os serões estrepitosos do Terra Nostra, as barracas ferrugentas, sonorosas e matraqueantes, o resfolegar dos motores dos aviões, os picos distantes e enevoados, os impérios com as melodias tristes e tilintantes, o silêncio eloquente e respeitoso da rocha debruçada sobre o oceano, os vinhos do cheiro do Sul e São Lourenço, as cracas de sabor indizível, saborosíssimas, os caranguejos vermelhos primitivos, as caras lindas das moças labregas e a inesquecível recordação de paisagens indescritíveis que têm sempre por fundo a cor gaze do mar e parecem saltar, movimentar-se perante o espectador, graciosas, alegres, como antífonas a um “Apolo que sabe regar o que plantámos há pouco” e nos oferece já os frutos prontos a recolher…
E nesta ilha fica para sempre, com uma saudade eterna, o palácio do meu encantamento maior; nela ficam os restos mortais de uma filha que apareceu fugidia a esconder-se logo no seio da terra, qual anjo mudo, encantado, simples, tímido, amoroso e delicado…”
A filha que se seguiu, eu, teve a sorte de lá voltar nas asas da memória e de partilhar convosco essa aventura ímpar.

Ilda Januário
Novembro de 2002
Comunicação apresentada na Semana Cultural da Casa dos Açores de Toronto

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