Eduíno Borges Garcia nasceu, a 22 de Fevereiro de 1922, em Vila Franca do Campo, na Ilha de S. Miguel e faleceu, a 7 de Janeiro de 1979, em Lisboa.
Cedo se iniciou no jornalismo colaborando assiduamente no periódico “A Ilha”, de Ponta Delgada. No ano de 1946 ruma para o continente para estudar Farmácia em Coimbra, acabando por se licenciar na Universidade do Porto. Frequenta o curso de História e tira cursos de Jornalismo, Inglês e Espanhol. Participa na renovação do movimento literário açoriano, dedica-se à arqueologia e etnografia desenvolvendo, em particular, variados estudos na região dos antigos coutos de Alcobaça. Foi membro da associação dos Arqueólogos Portugueses e da Associação Portuguesa de Museologia e como profissional ocupou lugares de direcção no Instituto Pasteur de Lisboa.
Borges Garcia constituiu uma referência para alguns jovens de Alcobaça que nos anos setenta tiveram o privilégio de com ele conviver e criar sólida amizade. O 25 de Abril ainda amanhecia e o país parecia querer ganhar um novo fôlego. Foi Leocádia Natividade que na sua própria casa teve a amabilidade de nos apresentar ao investigador, que era amigo do Professor Joaquim Vieira Natividade. Em breve calcorreávamos com a Moby Dick, nome fraterno para a cansada carrinha Volkswagen que servia de casa ambulante, o concelho de Alcobaça de lés a lés.
A sua militância em prol da cultura, das raízes e identidade, aliava-se a uma postura pedagógica de proximidade. Longe de ser professoral, Borges Garcia pretendia transmitir-nos a paixão pelo seu caminho. A constituição de uma equipa de trabalho com jovens revela a sua abertura, o seu espírito cooperativo, o trabalho de sementeira que julgava crucial para modificar as mentalidades e comportamentos face ao património e à cultura colectiva.
Borges Garcia tinha por esta altura reorientado o seu programa de pesquisa. A arqueologia (da Igreja Visigótica de S. Gião, das Anforetas, das Torres da Lagoa da Pederneira e do Castelo de Alfeizerão...) dava lugar definitivamente a outra paixão, a da cultura popular das comunidades rurais, explorando a sua dimensão simbólica e material. É verdade que de vez em quando olhava o solo e detectava um biface, uma tegula, um peso de rede..., e que ensaiou a escavação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição na busca da primeira guarida dos monges cistercienses, mas a arqueologia, como não se cansava de repetir, podia esperar.
A notável capacidade de estabelecer relações e contactos, de se familiarizar com vários níveis de cultura, permitiu-lhe um acesso fácil aos campos, franqueando o acesso às comunidades mais fechadas. As memórias associadas à sua passagem em tantos lugares resistem ao vendaval dos anos, como ainda há bem pouco tempo tive o prazer de testemunhar no Poço das Vinhas.
A dispersão que tomava a alma do bom doutor fazia-o interessar-se por múltiplas áreas e a investir em experiências socioculturais diversificadas. O projecto de medicina popular leva-o à Escola Técnica (actual Inês de Castro), envolvendo e cativando professores e alunos, filma os trabalhos e os dias das comunidades rurais e partilha estes registos com as populações provocando a reflexão dos próprios actores sobre a sua vida e obra, estuda os ciclos agrários, as oficinas de canastreiros, cesteiros e esteireiros, de navalhas, olaria, a gestão das águas, os círios e festas populares...
A sua reflexão cimentada na acção traduz-se nos seus textos literários e científicos, mas a investigação não era um fim em si mesmo, a cultura tinha de ser reapropriada pelos seus obreiros, tinha de ser dignificada. A eco-museologia estava no seu espírito como instrumento de valorização e interpretação em rede do património, recordo a propósito as conversas travadas com Per-Uno Agren (que foi presidente do ICOM). A revitalização e musealização dos espaços arquitectónicos e monumentais leva-o a pensar o Mosteiro de Alcobaça. A museologia aberta ao território revela o divórcio com o conceito de museu tradicional e mostra em que medida tanto do que se pressupõe como novidade já foi objecto de reflexão. Participa na criação da Adepa, ciente que o espírito associativo e o cruzamento de ideias é crucial para um progresso inteligente.
O fruto do seu labor incansável encontra-se ainda na colecção arqueológica do Museu Joaquim Manso (Nazaré), ou no Museu de Olaria de Barcelos que alberga a sua recolha de cerâmica açoriana.
Humanista e patriota, despojado o termo de fatiotas primárias, Borges Garcia será recordado não só pelo que fez, mas pela pessoa que era.
Parece que ainda hoje vamos subir para a Moby Dick a fim de, uma vez mais, nos deleitarmos com a leitura do “pic-nic de burguesas” de Cesário.
António Valério Maduro
Muito obrigado pelo seu artigo. Parece incrível como Eduíno Borges Garcia permanece quase desconhecido na sua terra natal.
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