sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Entrevista a Carlos do Carmo

Carlos do Carmo é um dos fadistas mais conceituados de Portugal. Tem representado o nosso país um pouco por todo o Mundo durante os seus 45 anos de carreira. Numa conversa informal, não deixei de lhe perguntar como tem sido a sua relação com o público, com os emigrantes e também com o leiriense José Luís Tinoco (autor de várias letras interpretadas por Carlos do Carmo). Falar de Carlos do Carmo, como refere a sua biografia, é “associar o seu nome ao que de mais genuíno e popular se canta nas ruas de Lisboa, quer seja um simples pregão de varina, um esvoaçar de gaivotas do Tejo ou uma festa popular com sardinha assada. Na sua voz, andam também de mãos dadas a saudade, os amores não correspondidos, a solidão, a primavera com andorinhas e os «putos» deste Portugal e ainda a esperança e o futuro”.

São mais de quarenta anos de carreira. Carlos do Carmo esperava, quando se iniciou no mundo da música, conseguir uma carreira tão sólida e recheada de sucessos como aquela que tem alcançado tão brilhantemente?
As coisas nunca acabam. Eu penso que as pessoas são muito generosas comigo. Portanto, esta generosidade que me desconcerta muitas vezes ao mesmo tempo é o meu oxigénio, torna-se muito estimulante porque atinge um grau de responsabilidade muito elevado para mim. Mas o que eu sinto, isso é o lado mais cativante de tudo isto, é o afecto que as pessoas me dedicam que é um misto de respeito e de ternura e isso é inapagável.

Sente isso após cada espectáculo?
Eu saio do palco com uma responsabilidade em cima dos ombros sempre acrescida. Não vejo isto como uma coisa que me deixe perturbado com a fama, com a glória. Vejo isto como um estímulo, como qualquer coisa que vale a pena continuar. E, vale a pena fazer aquilo que tenho tentado fazer que é ser muito mestre em cima do palco… dar tudo o que tenho para dar.

O Carlos do Carmo tem contactado com os portugueses um pouco por todo mundo, através dos seus imensos espectáculos. Qual tem sido a reacção desses portugueses quando têm a oportunidade de ver ao vivo um espectáculo de Carlos do Carmo a milhares de quilómetros de Portugal?
Isso é uma ligação cúmplice de muitos anos. Eu comecei a cantar para os nossos emigrantes em 1967. E, nunca mais deixei de voltar aos emigrantes com o mais profundo respeito. Eu não me recordo de nenhum país onde exista emigração portuguesa que não tenha cantado, desde a Austrália aos Estados Unidos da América e em todos os países da Europa onde os portugueses estão. Sempre tive a sensação que lhes levava um pouco de Portugal.

É aí que aparece a saudade?
Eu nunca gostei de abusar do sentimento da saudade. Ou seja, eu procuro sempre falar-lhes do que tinha acontecido mas ao mesmo tempo do que estava a acontecer, levando notícias frescas e cantando, também, coisas frescas misturadas com as mais antigas. E, foi essa a maneira que eu encontrei de me identificar com a emigração para quem canto, de fez em quando, com muito prazer… gosto muito de o fazer.

Por alguma razão em especial, além do contacto e o convívio com os portugueses fora do país?
Porque é uma forma muito curiosa de aprender a ser português. Porque a distância é tremenda e provoca nas pessoas um orgulho e uma saudade que nós em Portugal, um bocado distraídos, malbaratamos.

Foi isso que sentiu em 1976 quando representou Portugal no Festival da Eurovisão?
Aí foi uma coisa diferente. Era uma coisa de cariz internacional. Sabe que, quando eu estou a fazer um espectáculo de outras características sinto-me responsável noutro nível.

Como assim…
É que aí, eu sinto que não posso falhar, porque se eu falho vão dizer “o português”, “Portugal” falhou. Aí, o facto de sermos um país pequeno e ainda um pouco isolado, ainda não estamos completamente integrados neste conceito muito sério das nações. Isto aumenta a responsabilidade de quem canta ou de quem exerce uma actividade fora do país.

Como é que na sua carreira surge um trio como Ary dos Santos, José Luís Tinoco e Carlos do Carmo?
São aqueles encontros maravilhosos que a vida propícia. Devo dizer o seguinte: existem algumas matérias da vida em que eu me sinto privilegiado e essa é uma delas. Cantar essa gente, para mim, é um privilégio. Eu canto-os hoje como os cantei há trinta anos e não sinto diferença nenhuma do tempo. Não tenho a sensação de estar a cantar nada de ontem.

José Luís Tinoco, leiriense, não surge em público. Conhecendo-o bem, qual a razão que leva Luís Tinoco a esconder-se ou a afastar-se da imagem pública?
É a natureza dele. Ele é um homem muito especial. Fecha-se em casa. É um pouco lunático e muito fechado sobre ele próprio. E, isso leva a que o trabalho dele não seja tão divulgado. Eu sou muito perseverante e falo sempre nele, canto-o sempre e chamo a atenção das pessoas para que não exista surpresa. Porque, pela natureza dele as pessoas não o conheceriam.

Fazendo uma pergunta velhinha, acha que o fado vai continuar com os novos fadistas que agora surgiram no nosso país como o caso de Mariza, Mafalda Arnauth, Ana Moura a confirmação de Camané, entre outros?
Eu acho que sim porque, o que realmente faltava é que chegasse gente nova a tocar e a cantar que é isso que lhe vai dar continuidade. Isto é dos livros. Quando os mais antigos, mestres que nós conhecemos, que eu tive o privilégio de conhecer, começaram a deixar de cantar surgiu a nossa geração. Agora surgiu uma nova geração. E, o fado é isto. Hão-de surgir outras e outras, espero, provavelmente com conceitos estéticos diferentes, porque a vida muda, a vida não pára, os conceitos podem ser outros e tudo estará presente na arte, porque a arte não é uma coisa estática.
Adélio Amaro

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