Luís Filipe Borges, depois dos programas “Revolta dos pastéis de nata” e “Sempre em pé” é, agora, um dos apresentadores do programa da RTP2 “5 para a Meia-Noite”. Natural de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. Licenciou-se em Direito e a sua paixão pelas boinas levou-o a assumir a alcunha de “'Boinas”. Estivemos com o Boinas nos estúdios do “5 para a Meia-Noite” onde aproveitámos para lhe lançar algumas perguntas onde se destacam respostas sobre a sua vinda para o continente, a sua opinião sobre o humor e a sua paixão pelos Açores.
Como é que um Açoriano adopta a alcunha de “Boinas” e consegue vingar num tão complexo como a televisão?
Eu vim para o continente estudar com 18 anos. Segui é o percurso normal de muitos Açorianos. Vim fazer Direito. Licenciei-me. Mas, fui para Direito sem grande entusiasmo, foi mais para fazer o favor aos meus pais. E, embora tenha feito o curso sem grande dificuldade, percebi que não iria ser feliz ali. O meu sonho, desde adolescente, sempre tinha sido a escrita, viver da escrita. E, na Faculdade de Direito a melhor coisa que eu retirei desses cinco anos foram as actividades extracurriculares, muitas delas relacionadas com a escrita. Eu colaborava com jornais locais, fundei, com dois amigos, uma revista na Faculdade e fiz teatro universitário. Portanto, percebi que era na comunicação que eu queria estar. O que aconteceu é que no último ano do curso eu e esses dois grandes amigos escrevemos uma carta a um jornalista que admiramos muito. Soubemos que ele estava a abrir um programa televisivo. Eu tive a situação, quase miraculosa, em que no dia que terminei o curso fiz uma prova oral de manhã e de tarde estava convocado para trabalhar, oficialmente, na produtora para esse programa.
Esteve muito tempo nessa produtora ou foi convocado para um trabalho de curta duração?
Foram dois anos e meio nessa produtora a fazer projectos de televisão dos mais variados. E, foram dois anos e meio que eu considero uma pós-graduação em audiovisual.
Após esses dois anos e meio teve o convite para as Produções Fictícias?
Sim. Recebei um convite das Produções Fictícias, que muito me honrou, que escreviam e ainda escrevem para o Herman, que era o meu ídolo de adolescente e não tinha como recusar. Estando nas Produções, cuja base é o humor, era inevitável acabar por entrar nessa área também. Não era um objectivo primordial para mim mas, é um campo onde me sinto muito bem, tenho profunda admiração por muitos comediantes e fui trabalhando.
Como é que nasce a “Revolta dos Pastéis de Nata”?
Foi uma situação extraordinária pela sorte, pela coincidência, que foi: eu escrevia uma pequena crónica diária no jornal “A Capital”, que já não existe, era o último texto a entrar no jornal, eu tinha de fazer um apanhado da actualidade daquele dia, com humor. Eram textos muito curtos. Um belo dia, recebi um telefonema de um senhor que eu não conhecia que era subdirector do Canal 2, a dizer: “gosto muito das suas crónicas e gostava de o conhecer porque temos um projecto que talvez seja a sua cara”. Conhecemo-nos, demo-nos muito bem, partilhámos ideias, gravei um episódio piloto que viria a ser “Revolta dos Pastéis de Nata” e foi assim que comecei a dar a cara. Foi um acidente feliz sem quase dar por isso.
O Programa “5 para a Meia-noite” nasce como consequência do sucesso da “Revolta dos Pastéis de Nata”?
Mais ou menos. A “Revolta” foi um programa que correu maravilhosamente. Teve quatro séries durante dois anos. Depois disso, ainda fiz outro programa, bastante diferente, o “Sempre em pé” em que a alma era o Stand-up Comedy mas, com pessoas essencialmente desconhecias que não tivessem passado pelo “Levanta-te e ri”. Foram duas séries e depois surgiu este projecto do “5 para a Meia-Noite”, ideia do Bruno Santos, que é o subdirector de programas que atrás referi. Ele foi escolhendo-nos aos cinco, individualmente, num todo, e tem sido uma aventura extraordinária. Para mim, eu achava impossível superar o prazer que tinha na “Revolta dos Pastéis de Nata” mas, este programa ainda consegue fazer isso.
Como é que vê o grande sucesso do Stan-up Comedy em Portugal, como aconteceu nos últimos anos, depois de Raul Solnado dizer que já fazia esse tipo de humor?
Eu percebo essa frase do Raul Solnado… ele era, sem dúvida, um génio… mas, não é completamente verdade, porque uma das características essenciais do Stand-up é que a pessoa que está sozinha em frente ao microfone diz as suas próprias palavras e não era exactamente o caso do Raul Solnado. Ele tinha textos adaptados de Espanha que eram brilhantemente interpretados e bem adaptados mas, não era textos originais. Nesse sentido, o Satnd-up Comedy, em Portugal, nasce há pouco anos. Eu diria que o boom já passou, claramente. Foi necessário porque veio marcar uma rotura com um certo marasmo que havia na comédia em Portugal, com o formato onde apostam na careta e na chalaça sexual, a torto e a direito, e que ainda tem algum sucesso mas, era basicamente só e quase aquilo que existia… mais o Herman. Era fundamental haver sangue novo, haver veículos de humor diferenciados. Obviamente, toda a medalha tem o seu reverso, e esse boom foi fundamental mas, em cada dez pessoas havia uma que se aproveitava.
E nos dias de hoje, ficaram só os interessantes?
Hoje em dia estamos numa fase muito interessante, porque o trigo está a separar-se do joio. O público já se habituou, já levou com muitos anos seguidos disto, já conheceu muitas caras, muitos textos e agora já selecciona. Já não se ri de qualquer coisa.
Sente necessidade de correr o país com espectáculos?
Não. Faço com bastante regularidade mas, não me posso comparar com o Bruno Nogueira ou o Nilton, fazem bem mais. Eu adoro estar em casa, gosto da vida caseira. Mesmo assim, faço uns vinte espectáculos por ano.
Que faz o Luís fora da exposição pública que é a televisão e mesmo as crónicas que escreve para jornais e revistas?
Estou com os amigos, leio, vou ao cinema, vejo DVDs compulsivamente em casa e jogo à bola uma vez por semana.
Os Açores continuam a estar no seu dia-a-dia, onde vai colocando umas colheradas na revista do jornal Sol e mesmo no programa da RTP2, onde sublinha, sempre, o facto de ser açoriano, dando a conhecer a sua terra. Um Açoriano é isso mesmo… é estar constantemente a lembrar a sua terra e dizer aos outros a maravilha que existe em pleno Oceano Atlântico?
Eu acho que sim. Eu acho que existem três tipos de Açorianos: os Açorianos que pensam em sair do Arquipélago… tenho uma profunda admiração por esses. Tenho seis amigos de infância que vieram estudar para o continente e resta eu e outro, os outros a conta-gotas foram regressando, foram regressando por vontade firme, porque não conseguiram deixar de regressar, e essas pessoas que regressam e querem vingar na sua terra são, para mim, de actos notáveis e de admirar; os Açorianos que nem pensam em sair e os Açorianos, como eu, que saem e que para poderem prosseguir o seu caminho, o caminho que escolheram, não têm como voltar, pelo menos, para já. Na minha área eu não me safaria lá.
E como é que compensa a ausência dos Açores?
A única maneira que eu tenho de compensar isso é, de facto, não desperdiçar nenhuma oportunidade para falar das Ilhas. Eu sinto-me, à minha maneira, à minha pequena escala, um pequeno embaixador. Eu acho que nós temos um arquipélago paradisíaco... não é apenas uma terra belíssima a nível nacional… eu acho que é um local único a nível planetário, com uma produção de Cultura por quilómetro quadrado absolutamente espantosa. Basta pensar na quantidade de escritores que de lá saíram. Portanto, se toda a gente já tem orgulho da sua terra, eu acho que o orgulho dos Açorianos é reforçado, ainda mais, pela importância histórica que o Arquipélago ganhou ao longo dos séculos e pela distância que nos aumenta a saudade e o amor perante a terra natal.
Quando veio estudar para o Continente sentiu alguma falta de conhecimento em relação aos Açores que por vezes são confundidos, apenas, com a série “Xailes Negros”?
Gritante. Acho que é algo que se tem vindo a mitigar nos últimos anos, até porque os Açores estão na moda, mais do que isso, são mais estimados, com boas campanhas, com boa promoção quer do Turismo Açoriano, quer de algumas pessoas que deram destaque às ilhas como o Pedro Pauleta, a Nelly Furtado… isso mudou um pouco a imagem dos “Xailes Negros” que existia. “Xailes Negros” foi uma série espantosa, sem qualquer irresponsabilidade para o Zeca Medeiros, que é um artista genial e não tem culpa disto, mas os “Xailes” ajudou a criar um conceito de uma terra escura, onde está sempre a chover e onde as pessoas estão muitos tristes… e esquecem que aquela série foi há décadas atrás, no pico da emigração. Havia um desconhecimento enorme em relação aos Açores. Hoje em dia, ainda fico indignado quando falo com alguém e nem sabem quantas ilhas são… ao mesmo tempo, eu não fico completamente desgostado pelo factos dos Açores terem esse lado misterioso para tanta gente… de certa forma isso ajuda a conservar o Arquipélago encantador como é e a não transformá-lo, com todo o respeito, numa Madeira… a Madeira já está, de tal forma, virada para o Turismo que acaba por perder alguma graça…
Mas, teme que isso possa acontecer, principalmente no caso de São Miguel, Terceira e Faial?
Penso que não, porque o nosso clima está lá para nos ajudar. (Risos).
Contudo, nos casos concretos de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e mesmo a Praia da Vitória existe um desenvolvimento muito grande…
Enorme, enorme…
E esse desenvolvimento não poderá prejudicar a beleza natural e o mistério das ilhas?
Eu penso que, para já, está numa fase muito saudável. Eu vou várias vezes trabalhar aos Açores, principalmente a São Miguel, e arrisco-me a dizer, até escrevi uma crónica sobre isso, recentemente, no “Sol”, que Ponta Delgada deve ser uma das cidades mais bonitas do país. O crescimento daquela cidade, nos últimos quinze anos, é espantoso. Eu creio que, nem que seja pelo factor geográfico e serem nove ilhas, que vai ser sempre difícil os Açores virem a ser um Algarve ou uma Madeira… os interesses locais nunca o permitiriam…
O Low Cost é um bem ou mal necessário para ajudar a promover os Açores?
Alguma coisa tem de acontecer, porque eu, ou qualquer açoriano, ter de pagar mais dinheiro para ir ver a minha terra, dentro do meu país, do que pagaria para ir à maioria das capitais europeias é uma situação absurda e aparentemente é inacreditável como é que essa negociata se mantém… alguma coisa tem de ser feita.
Adélio Amaro
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